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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Portal de Netuno!

O rio seguia em direção ao poente, atravessava a floresta negra como se seguisse um caminho entra às árvores, e ao fim despencava num precipício, formando uma cascata de diamantes.

A cascata era tocada pela luz do Sol e quando a água tocava a superfície, gotículas se agitavam e como leve bolhas, flutuavam como se uma imã as puxasse de volta para o lugar de sua origem...

Era esse o lugar que eu via em meus sonhos, antes de o grande Big Ben tocar e minha mente ser invadida pelo frio e barulho da caótica periferia da cidade de Londres. 
"Já sei! Hora de trabalhar! Relógio irritante!"
E então lá ia eu para mais um dia cansativo, Londres era linda, claro! Mas do que adianta a beleza se você não tem tempo nem ao menos para respirar. Eu me sentia extremamente sufocada.
Peguei minha sacola de bugigangas, um pacote de biscoitos do qual eu já não aguentava ver na frente e saí para vender meus inventos.
Ninguém queria comprar nada, mas foi o que eu tinha de opção de sustento, ninguém queria empregar uma garota pobre e mal vestida.
Desci a velha rua de pedra em direção ao rio Tâmisa, certo, as ruas estavam cheias, violinistas tocavam tentando atrair atenção e tirar algum dinheiro da multidão, os malabaristas e seus malabares seguiam o mesmo caminho deles.
Eu recuperava coisas que encontrava no lixo, eu podia ver a beleza no que as pessoas viam como lixo. Simples assim.
No dia anterior à aquele, eu encontrei um vidro de perfume impecavelmente lindo, ele tinha um formato abstrato, largo na base e ia afinando. Era perfeito para um terrário, um mini terrário, e foi o que fiz com ele.
Tanto tempo andando por Londres, acabei fazendo muitas amizades, mas aquele terrário pertencia à alguém que saberia admirar sua beleza.
Mas quem seria? Só mesmo o destino para me dizer.
Entardeceu e eu já estava mesmo cansada de andar, eu tinha apenas dois biscoitos e tudo que havia conseguido eram duas moedas que ganhei em troca de um colar de botões velho que vendi para uma hippie.
Me restava voltar para meu velho quartinho no fundo de um "ferro-velho".
E lá ia eu, quando um cachorro maluco cruzou meu caminho e me fez cair, o dono do cachorro gritava por ele e quando nos alcançou, embolados no chão, no meio da ladeira, caio da bicicleta e se juntou à nós, num desastroso e constrangedor tombo.
Rimo-nos juntos. E foi bom. Mas foi-se...

E então segui meu caminho, mas graças a isso tudo que ocorreu, pude avistar uma biblioteca antigo e cheia de flores, já que o dono do cachorro teve a gentileza de se redimir dando-me uma flor que colheu ali antes de desaparecer.
Foi-se, mas eu fiquei. Como não tinha visto aquele lugar antes? Logo ali na minha frente... Era lindo...
A arquitetura vintage, o letreiro, a janela, as flores. Eram tantas flores. Era como viajar para uma outra época, para além do caos contemporâneo.
E foi então que me lembrei... O terrário! Um terrário é como a alma de uma floresta presa em um pequeno frasco, ela ficava ali nas suas mãos, era a vida.
Entrei naquele recanto das fadas...
Foi uma doce velhinha que me atendeu, um sorriso triste, mas uma alma jovem, que pude notar no brilho de seu olhar.
Pudemos conversar por um momento e então fez se a mágica, um terrário por um globo de neve, um intocável globo de neve.
No meu quarto à noite, olhei pela janela, as luzes e a fumaça dos carros ocultavam a magia do céu, o brilho das estrelas, ofuscavam o brilho da lua.
Peguei em minhas mãos o pequeno globo.
Era lindo.
Deixei-me levar pelos detalhes contidos dentro daquele pequeno vidro... Era como nos meus sonhos, mas tinha mais vida. Com minha alma penetrei o frasco. Era o portar de Netuno.
Pouco a pouco o som dos motores foi se distanciando, uma orquestra diferente invadiu-me a mente. Uma melodia sublime a qual não pude evitar...
Os violinos, as flautas, o piano...
A brisa era fresca e leve.
Foi perdendo-se a gravidade, tudo estava distante. Uma sensação de liberdade. Um mergulhar na imensidão.
Nenhum medo, nenhuma dúvida, como nadar num sono profundo.
Abri os olhos e não cai. Era a imensidão azul.
Era céu, mas era mar.

Era mais do que voar.
O Sol surgia tão distante, seus raios preenchiam o nada com sua luz.
Luz que penetrava a chuva de diamantes e fazia resplandecer o céu.
Era a chama fria de uma esperança, azul, sublime, plena...
Estar ali era alcançar o infinito, tocar estrelas.
E por um instante estive ali, e tive certeza de que era meu lugar.
Nada me prendia à outra terra, era ali o meu eterno reinar...


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